Deus é bom e me deu um presente e tanto nesses dias. Desde que fui picado pelo "mosquitinho" da paixão pela teologia eu desejava frequentar os grandes congressos teológicos, que são organizados quase sempre pelas editoras brasileiras. Sempre lia, com uma santa inveja, o material produzido por blogueiros após as plenárias, debates e conversas com a elite do pensamento teológico protestante brasileiro. Em janeiro decidi inscrever-me para o 7º Congresso Brasileiro de Teologia da editora Vida Nova e cá estou eu, em Águas de Lindóia (SP), bem atento ao que os estudiosos têm a dizer nos próximos quatro dias.
Apesar de eu ter vindo por conta própria, minha credencial diz que pertenço e represento a Igreja Batista Memorial da Tijuca (RJ). Tenho muito orgulho de no meio de tanta gente boa, circular carregando o nome da IBMT no peito. Resolvi então compartilhar com vocês através do blog dos jovens o que ando ouvindo por aqui.
Hoje (terça-feira, 23/03) foi o primeiro dia do congresso, que está tratando de vários aspectos da teologia no contexto da América Latina, e já começou com uma plenária do René Padilla. Trata-se de um importantíssimo teólogo equatoriano, mas que hoje mora na Argentina, e que participou ativamente da elaboração de uma missiologia que atendesse às demandas humanas integralmente; o conceito de Missão Integral. O sujeito tem graduação e mestrado pelo Wheaton College (EUA) e Ph.D. em Novo Testamento pela Universidade de Manchester (Inglaterra). Posteriormente, o Wheaton College lhe outorgou o título de Ph.D em Divindade honoris causa.
RESUMO:
Missão integral é um tema que passei a acompanhar recentemente, portanto, não conheço muito sobre. Achei a proposta altamente pertinente para os Batistas Brasileiros presentes pensarem. Em março a denominação difunde a partir da sua Junta de Missões Mundiais a anual campanha missionária. Saí da plenária pensando no que está correto e no que está errado conosco. Os que vão ler esse resumo estão convidados a pensar em missões comigo, a partr da ideia de missão integral.
Imperialismo e missões - René Padilla começou citando um teólogo russo que certa vez alertou que era preciso enxergar a diferença entre a diginidade do cristianismo e a dignidade dos cristãos. Segundo ele, nem sempre são a mesma coisa, ou caminham na mesma direção. Enquanto o cristianismo nunca perdeu a sua dignidade, os cristãos nem sempre mantiveram feitos dignos e positivos. Foi lembrada a experiência de juntar missões cristãs e colonialismo/imperialismo entre do século XVI até o XIX. Não faltaram teólogos para justificar a conquista dos povos das Américas pelas nações cristãs europeias ou para defender o destino manifesto (doutrina que defendia que os colonizadores tinha a missão divina de expandir os valores cristãos aos ignorantes nativos), a expansão territorial e o extermínio dos nativos na América do Norte. Padilla afirmou que muitas missões cristãs eram feitas com propósitos indignos do cristianismo e que os evangélicos aprovaram guerras expansionistas sob o pretexto de evangelização a qualquer custo.
Conferência Missionária Mundial de Edimburgo - Há exatos 100 anos essa reunião teológica na Europa dividiu o pensamento missiológico evangélico. A mentalidade missionária até então se mostrara arrogante, impaciente, auto-suficiente e triunfalista diante da tarefa de anunciar o evangelho aos povos não-alcançados. Um documento de nove volumes foi produzido a partir do encontro e pretendia carregar todos os "fundamentos da verdade da fé cristã e da obra de evangelização do mundo". Surge então uma definitiva polarização entre os evangélicos: de um lado os FUNDAMENTALISTAS e de outro os MODERNISTAS e os LIBERAIS. Essa divisão foi dramática para a causa do evangelho. Enquanto os modernistas buscavam entender o Reino de Deus e a missão da Igreja no presente, observando os benefícios da cruz já para os tempos atuais, os modernistas ficaram marcados pela radicalidade em interpretar o Reino como um Reino futuro, por manterem uma proclamação do evangelho voltada apenas para a salvação da alma e expansão da igreja e negarem a possibilidade de um Evangelho com preocupações sociais. Padilla lembrou bem que os fundamentalistas estavam fortemente influenciados pela escatologia dispensacionalista (doutrina que enfatiza a redenção apenas a partir da segunda volta de Cristo, nega a restauração da criação já nos nossos tempos e destaca-se pela crença de que as promessas feitas a Israel no passado serão cumpridas no milênio).
O "esquema" tradicional de missões: Para mim, aqui a fala (em puro "portunhol) de René Padilla começou a crescer até o clímax. Segundo ele, há uma "tradição" de missões nas igrejas e dois valores compreendidos pelos seus membros.
Na compreensão geral, o chamado para ser um missionário de carreira ou um pastor é louvável e sublime, mas apenas para alguns "eleitos";
À igreja local cabe a tarefa de oferecer apoio espiritual (seja lá como isso é feito) e financeiro à missões.
O legado pós-Edimburgo: Nunca antes eu tinha ouvido alguém sistematizar tão bem o que diferentes grupos pensam sobre a teologia de missões. Padilla enumerou quatro dicotomias negativas da divisão do pensamento sobre missões após a conferência de 1910.
As igrejas que enviam missionários X As igrejas que recebem os missionários enviados (missionários saíram do 1º mundo para o 3º sem uma compreensão transcultural e humilde do Evangelho). Apesar das falhas, René Padilla ressaltou que os missionários de carreira foram imigrantes que deixaram tudo pela causa de Jesus.
O Lar (um país cristão) X O Campo Missionário/local de trabalho (um país pagão)
Clero (uma classe de funcionários da Igreja responsáveis pelo trabalho da Igreja) X Leigos (membros comuns) - isso criou, segundo ele, o problema dos cristãos "domingueiros"; sem envolvimento.
Grandes projetos com poucos missionários X Igreja local não é missionária onde ela está
A Missão Integral como mudança de paradigma: listarei a seguir os pontos principais do clímax da plenária; a proposta de missão que integra e desfaz as dicotomias anteriores
A Igreja precisa influenciar os lideres que governam a vida política a defender direitos dos pobres;
Agências missionárias que não apenas falam de missões, mas que colocam em prática o Reino de Deus através do povo de Deus;
O Evangelho é as boas novas do Reino, em Cristo Jesus; boas novas de restauração, libertação e salvação: pessoal, social, global e cósmica;
Missões incluem: evangelização, respostas às necessidades humanas imediatas e pressão por transformação da realidade social;
Missões não consistem em focar na transposição de barreiras geográficas (isso é secundário). Missões consistem em romper a barreira entre a fé cristã e a não-fé cristã;
A igreja local não faz tour religioso, não é um grupo de amigos e nem tampouco uma agência de bem-estar social;
Seu propósito é encarnar os valores do Reino para a transformação do mundo;
Fazer missões é uma responsabilidade e privilégio de todos os membros da igreja;
É dever da igreja local treinar e mobilizar para missões (Ef. 4:11-12);
Missões são feitas nas escolas, nos hospitais, nas empresas, nas comunidades carentes... Pois não há um lugar fora da órbita do senhorio de Jesus;
Todas as igrejas podem aprender com outras. Não há uma igreja que apenas envia e ensina e outra que só recebe o conhecimento de Deus;
Todos os cristãos são missionários. Cada dificuldade humana é uma oportunidade missionária;
Cada igreja local precisa mostrar o Reino de Deus no seu próprio lugar (missões também se faz na "sua Jerusalém", e não só "nos confins da terra";
Os benefícios da salvação são inseparáveis da obra missionária;
A MISSÃO INTEGRAL é uma contraposição à missão imperialista de conquista, e mostra o Reino de amor, de justiça e de glória de Jesus Cristo.