Os últimos dias de 2009 foram terríveis para uma parte da população da Baía da Ilha Grande, região fluminense onde estão a ilha de mesmo nome e o município de Angra dos Reis e que sofreram com as fortes chuvas e deslizamentos de terra. Foi lamentável romper o ano em festas enquanto famílias contabilizavam perdas materiais e humanas. Agora, 13 de janeiro de 2010, amanhecemos mais uma vez estarrecidos com a natureza; dessa vez, com um grande tremor de terras no Haiti. Por hora (tarde do dia 13), devido à precariedade dos sistemas de comunicação do país caribenho e o tamanho da destruição, sequer há um número aproximado de feridos e vítimas fatais. Doze brasileiros (onze militares em missão de paz) já são confirmados como mortos.
Não faltam informações para nos chocar. A grande maioria das fotos servem de arautos da desesperança. Pela manha, dirigindo e ouvindo as notícias no rádio, me perguntei: "Deus, tinha que ser logo com o Haiti?". Acontece que a ilha no Caribe já era antes dos terremotos o país mais pobre das Américas, com instabilidade política e péssimos indicadores sociais. Ex-colônia francesa, o Haiti foi uma das porções mais exploradas da América durante o período colonial. O país com cerca de 95% de negros decendentes de ex-escravos sofre da "deseconomia" há décadas e durante quase toda a segunda metade do século XX sofreu duramente com as ditaduras sangrentas de François Duvalier, mais conhecido como Papa Doc, e posteriomente por seu filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc. Ambos ficaram conhecidos por assassinar seus inimigos políticos, por mau uso do dinheiro público, por perseguirem ferozmente os cristãos católicos e pela exploração econômica da prática mística do vodu. Vale lembrar ainda que em setembro de 2008 o país fora atingido por um furacão que deixou destruição e levou 529 vidas. É lógico que desgraça a gente quer evitar a qualquer custo, mas no meu coração ficou essa questão: "Já não há desgraça demais para o Haiti?"
Nesses momentos altamente críticos e onde a fragilidade humana fica grosseiramente escancarada, os cristãos de todo o mundo são confrontados em duas frentes: a primeira e mais urgente é a frente prática. Trata-se de arregaçar as mangas e fazer aparecer a verdadeira religião - "que cuida dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades" (Tg 1:27). A segunda é a frente intelectual e apologética. Essa é a hora em que os cristãos são provocados com "Onde está o seu Deus?" ou "Se Deus de fato existisse, tragédias assim não aconteceriam".
Alguns, com o coração cheio de piedade e boas intenções, porém, afobados e sem a necessária reflexão bíblica, acabam por se autonomear "advogados de Deus". Como se o Altíssimo precisasse de defensores tão limitados em pensamentos, sentimentos e atitudes como nós humanos. Reconheço, portanto, que é laborioso e dificílimo o serviço dos teólogos que permanecem calçados nas santas escrituras. A tentação em defender Deus com argumentos pouco ou nada bíblicos é grande. Contudo, a tsunami de 2004 que varreu o sudeste asiático serviu de grande treinamento para os que se dedicam a anunciar a grandeza de Deus num mundo de pensamento pós-moderno. É lindo e até emocionante ver homens e mulheres que conseguem manter o foco em Cristo, que anunciam a soberania de Deus mesmo na tragédia e que não trocam as verdades eternas, ainda que não a entendamos completamente, por explicações fáceis que anunciam um deus de mãos atadas.
Convido os que chegaram até esse ponto da leitura a refletirem mais um pouco sobre os fatos e sobre o Deus revelado nas escrituras:
1- É preciso vencer a tentação das explicações fáceis. No caso de Angra do Reis, muitos abraçaram a tese de que os deslizamentos ocorreram simplesmente pelo desmatamento e pela ocupação irregular das encostas. É fato que essa tese ajuda, e muito, a transferir de Deus para o indivíduo humano a responsabilidade sobre a tragédia. Pena que a coisa não é assim tão simples. É verdade que a erosão de encostas (solifluxão) é mais evidente em áreas desmatadas. A vegetação natural contribui para a fixação do solo, mas, esse é apenas um dos aspectos. Como explicar a ocorrência de deslizamentos em encostas que tinham vegetação nativa preservada? É nessa hora que fura a explicação de que a tragédia só aconteceu pela imprudência humana. Geólogos e o próprio secretário de Governo e Defesa Civil de Angra, Alexandre Soares, disseram na ocasião que a geomorfologia da região e o grande volume de chuvas em um curto espaço de tempo foram determinantes para os deslizamentos. Como professor de geografia, posso afirmar com tranquilidade que a geomorfologia (Domínio do Mar de Morros) e o clima (Tropical Litorâneo) de grande parte do Estado do Rio vão sempre favorecer esse tipo de ocorrência nos verões excessivamente úmidos. O desmatamento e a ocupação irregular atrapalham muito e aumentam os riscos, mas, se eles não existissem, ainda assim, terras rolariam no Rio de Janeiro.
Para dificultar ainda mais as coisas, os "teólogos-advogados" que sacaram dos bolsos explicações fáceis para a tragédia em Angra não têm a mesma facilidade para justificar terremotos, tsunamis, furacões etc. É lógico que as estatísticas mostram que o número de óbitos após um terremoto no rico Japão é consideravelmente menor do que numa ocorrência de mesma magnitude na China rural ou no paupérrimo Haiti. Existe uma preparação humana que possibilita a minimização dos danos. Mas, não é tão simples dizer que o homem tem responsabilidade direta pelas correntes de convecção da astenosfera, pela movimentação de placas tectônicas ou pela formação de tempestades de vento.
2- Não é verdade que Deus nunca tem nada a ver com o sofrimento humano. Escrevendo sobre a tsunami, o Pr. Eros Pasquini contou que brigou feio com Deus quando seu pai foi desenganado por conta de um câncer. O pastor Eros disse que, "por um descuido, tirou os olhos de Jesus, mas que Deus é tão gracioso e misericordioso que usou aquele momento para que a Soberania Dele deixasse de ser um conceito de sala de aula, guardado no intelecto, e passasse a ser massa do meu sangue – algo bem presente no meu coração. Deus me encheu de tanta paz e convicção que no culto de sepultamento do papai, meu texto foi: Os passos do homem são dirigidos pelo Senhor; como, pois, poderá o homem entender o seu caminho? Pv 20.24."
Imaginem a dificuldade que pode ter sido para Noé anunciar o Deus Todo-poderoso à sua mulher, seus filhos e às mulheres dos seus filhos após a tragédia do dilúvio. Não vemos, contudo, no texto bíblico Noé explicando as coisas ou dizendo a eles que Deus não tinha nada com aquilo. Ao contrário, Noé saiu da arca e foi ao culto (Gn 8:20), onde fez uma aliança com o mesmo SENHOR das chuvas torrenciais que quase exterminaram a humanidade. Não vemos os profetas do exílio defendendo Deus em meio ao caos. Em Isaías, capítulo 45, verso 7, o mal, no sentido de sofrimento e dificuldade humana, são relacionados aos propósitos soberanos de Deus.
Tivemos no domingo, dia 10, uma grande aula na IBMT com o Pr. Mark Downing sobre o Salmo 42. Tive a chance de antes, durante a preparação da aula, conversar com ele sobre o verso 7, onde o salmista, mesmo que aflito, abatido e "reclamão", não abandona a certeza de que Deus tudo controla. "Abismo chama abismo ao rugir das Tuas cachoeiras; todas as Tuas ondas e vagalhões se abateram sobre mim".
Filipenses, capítulo 1, verso 29 é categórico ao mostrar como o cristão encara o sofrimento de maneira diferente: "pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele"
3- O cristianismo é a única fé que garante plena esperança em meio à tragédia. O evangelho anunciado por Paulo não estava tão preocupado em "comer o melhor dessa terra", como propagam os teólogos da prosperidade material, e nem em prometer ausência de sofrimento aos filhos de Deus. Ao contrário, Paulo anunciou o evangelho do Deus que triunfa sobre a tragédia, ideal para aqueles que esperam uma grande graça futura. "Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada" (Rm 8:18)
4- Anunciar a beleza do evangelho da graça em meio à tragédia é uma tarefa difícil, mas que honra a Deus. Responder aos confrontos dos céticos, consolar aos que sofrem e estimular a perseverança da igreja são tarefas imperativas aos bons pregadores. Penso que é um bom caminho reconhecer a limitação humana acerca do entendimento dos propósitos do SENHOR (aqueles que não se seguram e buscam racionalidade em tudo, acabarão correndo o risco de dizer, em nome de Deus, o que Deus de fato nunca disse), não banalizar o sofrimento alheio (anunciar a soberania de Deus não significa não sofrer com os que sofrem ou anunciar um Deus despreocupado) e, por último, abraçar o texto bíblico como a resposta última para as lacunas da miséria humana.
O pregador que assenta suas falas sob o telhado do texto bíblico é docemente levado a consolar o mundo em meio à tragédia como em Is. 52:7:
Como são belos nos montes
os pés daqueles que anunciam
boas novas,
que proclamam a paz,
que trazem boas notícias,
que proclamam salvação,
que dizem a Sião:
“O seu Deus reina!”
Na dúvida do que explicar, brade apenas: "SIÃO, O SEU DEUS REINA!". Estou certo de que o mundo vê mais a glória do SENHOR quando a sua igreja persevera em meio à tragédia, quando a sua igreja ama e auxilia os que sofrem e quando a sua igreja louva àquele que foi espancado, pregado num madeiro rude e que nos garantiu muito mais do que essa vida pode oferecer. Anunciar Deus na prosperidade faz alguns louvarem a prosperidade, mas anunciá-lo na tragédia leva o mundo a se chocar com a devoção dos cristãos.
Te convido a uma última tarefa (prometo!):
Em agosto de 2007, a ponte sobre o Rio Mississipi, que liga Minneapolis a cidade-gêmea de St. Paul, nos EUA, desabou em plena hora do rush. Algumas pessoas morreram e outras dezenas ficaram feridas. Lembro das TVs americanas mostrando as cenas ao vivo e os bombeiros estavam desesperados buscando resgatar pessoas dentro de seus carros que afundavam no rio. Era uma quarta-feira e a uma curta distância dali estava a Bethlehem Baptist Church (Igreja Batista Belém), pastoreada pelo pastor John Piper. Imaginem a tentação que Piper poderia ter tido de ir ao púlpito no domingo e com o coração cheio de boas intenções consolar os moradores de Minneapolis com um sermão que isentasse Deus de qualquer responsabilidade sobre o acidente absolutamente imprevisível.
Mas, John Piper, como grande pregador bíblico que é, preferiu deixar em branco as lacunas dos propósitos misteriosos de Deus (o que deixa alguns sem as respostas fáceis que gostariam de ouvir) e continuar anunciando o evangelho da soberania absoluta do SENHOR, do arrependimento dos seres humanos e da graça da reconciliação.
Assistam, por favor: